domingo, abril 22, 2007

Num semáforo: entregam-lhe um jornal, tentam lavar-lhe os vidros ou -como me aconteceu ontem- um jovem faz uma demonstração de malabarismo – impressionante, a merecer mais palmas do que moedas. Mas, em geral, aproxima-se do seu carro uma jovem com uma criança ao colo pedinchando alguma coisa. Confesso que neste caso, a minha primeira preocupação vai para a coluna vertebral daquelas crianças- não só as que andam (às vezes horas) ao colo mas também as que as transportam, já que muitas vezes só diferem em meia dúzia de anos da que vão carregando de sinal em sinal…
Qual é o seu primeiro instinto? Receio de um assalto, devido ao saturante número de e-mails que recebe dando conta de “ataques destes gangs de emigrantes, nos semáforos ?” – exemplo claro destes tempos em que a xenofobia prolifera em mensagens sem fonte fidedigna através da Internet…
Indignação, perante esta clara violação dos direitos das crianças, que deviam estar na escola, a aprender e a brincar- em vez de serem usadas repetidamente como instrumento de mendicidade?
Talvez sinta algo mais forte: vergonha, desprezo? Analise por uns minutos qual é o seu real posicionamento em relação a estas pessoas que estão ali, vulneráveis, do outro lado do vidro. A tomada de consciência perante a nossa vida- e a dos outros- acontece muitas vezes assim: no curto espaço de tempo entre o vermelho e o verde.
Diz-me o que comes

Já não há dúvidas: os nossos filhos estão a ficar gordinhos. E isto porquê? Porque nós deixámos. Antigamente, os nossos lanches eram preparados em casa; da merenda constava sempre pão com queijo ou marmelada caseira, uma maçã, pêra ou banana, um pacote de leite- coisas simples, embrulhadas num guardanapo de pano ou dentro de uma lancheira que nos acompanhava durante o recreio, com protagonismo igual ao da corda ou do elástico, dos piões, berlindes e das sameiras ( caricas aqui no Sul).
Agora, não temos tempo para preparar um lanche, muito menos para embrulhá-lo num guardanapo ( de papel, claro). Os nossos miúdos levam dinheiro e aviam-se nos bares da escola. E que oferta têm esses bares? Bem, vocês sabem. Basta olhar à volta quando engolimos à pressa uma meia de leite e um queque. Sabe o que significa para o organismo dos nossos filhos uma dose diária de refrigerante+pacote de snacks salgados+bolo com recheio? Muito açúcar, muito sal, pouco ou nenhum exercício- eis uma equação explosiva para todos, também para os mais novos.
Os bons hábitos alimentares adquirem-se desde cedo- se aprendem a lavar os dentes e a comer de faca e garfo, também aprenderão o significado da palavra CALORIAS. Não que tenhamos que criar uma geração maníaca da balança, viciada em produtos light ….mas pelo menos, criemos uma geração que não corra o risco de morrer antes da nossa.

sábado, abril 14, 2007

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajecto, quem não muda as marcas no supermercado, não arrisca vestir uma cor nova, não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o "preto no branco" e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projecto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples acto de respirar.

Pablo Neruda

sexta-feira, abril 06, 2007

Revista Perspectiva I

Há três anos passei a fazer parte da equipa de voluntários que integra “A Hora do conto” da Fundação do Gil. E de cada vez que chego aos hospitais, sei que vou ter uma hora… cheia! Cheia de partilha, de risos, de histórias ... E no meio de uma semana atarefada, há este “balão de oxigénio”, onde me sinto sempre melhor. Porque gosto de ser voluntária; porque gosto de ajudar os outros mesmo que seja através de uma história. Quando me desafiaram para escrever esta página, decidi que seria igualmente para contar histórias… mas nem sempre daquelas cor de rosa, em reinos encantados. Estas serão perspectivas que pouco ou nada têm a ver com o Era uma vez, apesar de, por vezes, até terem finais felizes….
Mukhtaran Bibi é uma jovem que vive algures em Punjab, no Paquistão, numa pequena aldeia onde as decisões importantes são tomadas por uma assembleia – totalmente composta por homens.
Há cinco anos, o seu irmão mais novo cometeu, aparentemente, um delito grave: seduziu a filha do chefe de uma outra tribo, coisa que naquele meio é uma desonra que requer imediatamente de um pedido de perdão. Mas este perdão não se pede através de um mero envio de flores e respectivo cartão de desculpas. Passa pela humilhação de uma mulher da família – neste caso a irmã mais velha – de joelhos e cabeça baixa, perante o olhar e as armas dos “ofendidos”. Mas, naquele dia, essa atitude não chegou para limpar a honra manchada. E a justiça tribal ditou então que ela teria que ser colectivamente violada. A “sentença” foi de imediato posta em prática. Mukhtaran foi arrastada para o local onde quatro homens “executaram” a tarefa. Depois, foi mandada de volta para a sua aldeia, praticamente nua, perante o olhar grave dos habitantes.
O desfecho “natural” desta história aconteceria já neste parágrafo. Mukhtaran, como muitas outras mulheres vitimas destes julgamentos, iria suicidar-se passado alguns dias para não trazer mais vergonha para o seio da sua família. Mas quis o destino que esta mulher fosse diferente; em vez de decidir morrer, ganhou coragem para fazer aquilo que poucas fazem – nestas e noutras situações de violência: denunciou.
Sempre com o apoio da mãe, apresentou o caso à polícia, aos tribunais oficiais. Foi perseguida e ameaçada. A história chegou no entanto à imprensa que rapidamente espalhou a notícia por todo o mundo. Em Primeira Instância, venceu. Todos os seus violadores foram condenados à morte. No Recurso, foram libertados. Agora em Supremo, os “justiceiros da honra” aguardam a sentença, mas detidos.
O governo do Paquistão, receoso da imagem que esta história pudesse passar do País, tentou dissuadi-la. Ofereceu uma indeminização para reparar os danos. Mukhtaran usou o dinheiro para abrir uma escola onde as meninas da aldeia onde nascera pudessem, ao contrário dela, ter acesso a educação. E uma pessoa com educação, informada, conhece os seus direitos e pode lutar por eles. Hoje em dia já são três as escolas que dirige com mais de uma dúzia de professores que voluntariamente ensinam - rapazes e raparigas - a ler e a escrever, a contar e a falar inglês. Apesar de levar a sua história a lugares onde as mulheres continuam a viver submissas perante uma lei de homens- para demonstrar que há uma Lei superior a essa - nunca deixou a sua aldeia para ter a certeza que os “seus” 700 alunos e alunas aprendem o real significado da expressão «direitos humanos». Nomeadamente, os filhos dos seus violadores, que na escola de Mukhtaran aprendem a respeitar as meninas da aldeia.
Mukhtaran é um símbolo. Venceu, no passado dia 19 de Março, o Prémio Norte-Sul, atribuído anualmente pelo Conselho da Europa, desde 1995, a duas personalidades que se destacaram na protecção dos direitos humanos. O outro vencedor foi o Padre Francisco Van Der Hoff pelo seu trabalho com o Comércio Justo. Mas esta é outra história….
Para saber mais: www.mukhtarmaiwwo.org/