sexta-feira, abril 06, 2007

Revista Perspectiva I

Há três anos passei a fazer parte da equipa de voluntários que integra “A Hora do conto” da Fundação do Gil. E de cada vez que chego aos hospitais, sei que vou ter uma hora… cheia! Cheia de partilha, de risos, de histórias ... E no meio de uma semana atarefada, há este “balão de oxigénio”, onde me sinto sempre melhor. Porque gosto de ser voluntária; porque gosto de ajudar os outros mesmo que seja através de uma história. Quando me desafiaram para escrever esta página, decidi que seria igualmente para contar histórias… mas nem sempre daquelas cor de rosa, em reinos encantados. Estas serão perspectivas que pouco ou nada têm a ver com o Era uma vez, apesar de, por vezes, até terem finais felizes….
Mukhtaran Bibi é uma jovem que vive algures em Punjab, no Paquistão, numa pequena aldeia onde as decisões importantes são tomadas por uma assembleia – totalmente composta por homens.
Há cinco anos, o seu irmão mais novo cometeu, aparentemente, um delito grave: seduziu a filha do chefe de uma outra tribo, coisa que naquele meio é uma desonra que requer imediatamente de um pedido de perdão. Mas este perdão não se pede através de um mero envio de flores e respectivo cartão de desculpas. Passa pela humilhação de uma mulher da família – neste caso a irmã mais velha – de joelhos e cabeça baixa, perante o olhar e as armas dos “ofendidos”. Mas, naquele dia, essa atitude não chegou para limpar a honra manchada. E a justiça tribal ditou então que ela teria que ser colectivamente violada. A “sentença” foi de imediato posta em prática. Mukhtaran foi arrastada para o local onde quatro homens “executaram” a tarefa. Depois, foi mandada de volta para a sua aldeia, praticamente nua, perante o olhar grave dos habitantes.
O desfecho “natural” desta história aconteceria já neste parágrafo. Mukhtaran, como muitas outras mulheres vitimas destes julgamentos, iria suicidar-se passado alguns dias para não trazer mais vergonha para o seio da sua família. Mas quis o destino que esta mulher fosse diferente; em vez de decidir morrer, ganhou coragem para fazer aquilo que poucas fazem – nestas e noutras situações de violência: denunciou.
Sempre com o apoio da mãe, apresentou o caso à polícia, aos tribunais oficiais. Foi perseguida e ameaçada. A história chegou no entanto à imprensa que rapidamente espalhou a notícia por todo o mundo. Em Primeira Instância, venceu. Todos os seus violadores foram condenados à morte. No Recurso, foram libertados. Agora em Supremo, os “justiceiros da honra” aguardam a sentença, mas detidos.
O governo do Paquistão, receoso da imagem que esta história pudesse passar do País, tentou dissuadi-la. Ofereceu uma indeminização para reparar os danos. Mukhtaran usou o dinheiro para abrir uma escola onde as meninas da aldeia onde nascera pudessem, ao contrário dela, ter acesso a educação. E uma pessoa com educação, informada, conhece os seus direitos e pode lutar por eles. Hoje em dia já são três as escolas que dirige com mais de uma dúzia de professores que voluntariamente ensinam - rapazes e raparigas - a ler e a escrever, a contar e a falar inglês. Apesar de levar a sua história a lugares onde as mulheres continuam a viver submissas perante uma lei de homens- para demonstrar que há uma Lei superior a essa - nunca deixou a sua aldeia para ter a certeza que os “seus” 700 alunos e alunas aprendem o real significado da expressão «direitos humanos». Nomeadamente, os filhos dos seus violadores, que na escola de Mukhtaran aprendem a respeitar as meninas da aldeia.
Mukhtaran é um símbolo. Venceu, no passado dia 19 de Março, o Prémio Norte-Sul, atribuído anualmente pelo Conselho da Europa, desde 1995, a duas personalidades que se destacaram na protecção dos direitos humanos. O outro vencedor foi o Padre Francisco Van Der Hoff pelo seu trabalho com o Comércio Justo. Mas esta é outra história….
Para saber mais: www.mukhtarmaiwwo.org/

1 comentário:

Anónimo disse...

O artigo, publicado no primeiro número da revista Perspectiva, mostra claramente que, para quem caracteriza o seu blogue como "Escritas à moda do norte", a Fernanda Freitas tem a dimensão de quem sabe fazer escritas à moda do mundo... ou à medida das necessidades do mundo, que estas coisas têm que ser expostas, por quem pode, para vexame e castigo de quem, não podendo, as faz...
Parabéns pela visão, obrigado por estar conosco num projecto novo de comunicação social, bem vinda à Perspectiva, Fernanda!