domingo, dezembro 16, 2007

Querido Pai Natal,

esta é a primeira vez que te escrevo; até hoje nunca tinha tido coragem porque sempre me disseram que tu não gostavas de meninos como eu.
Quando se aproximava esta época, todos os meus colegas da escola começavam a falar em ti e de como eras simpático , que trazias prendas muito fixes e que já estavam a pensar escrever a carta deste ano…eu bem os ouvia e por vezes lá arriscava dizer que era nesse ano que eu também ia escrever-te. Era aí que as coisas ficavam feias- imediatamente, quase todos se riam e começavam a apontar para mim e a chamar-me nomes… alguns até me atiravam com o que sobrava do lanche.
Eu, triste, magoado, ferido por dentro – e às vezes por fora – voltava para a sala e fingia que me doía um dente.

Quando chegava a casa começava logo a preparar umas batatas para o nosso jantar pois já sabia que a minha mãe ia chegar muito tarde. A minha irmã às vezes aparecia com o bebé mas era só para eu tomar conta dele enquanto ela ia resolver uns assuntos….nunca teve tempo para perguntar como é que eu estava; nunca me deu tempo para lhe perguntar nada sobre ti…

À hora de jantar nunca podíamos falar porque o meu pai tinha de ver televisão e ficava muito irritado quando ouvia certas noticias – sobretudo umas que tinham a ver com despedimentos…ele nunca me disse nada mas eu sabia que ele também não tinha trabalho há algum tempo.

A minha mãe andava sempre com um ar tão cansado e triste – às vezes também tinha umas nódoas negras e eu não percebia porquê… afinal ela já não andava na escola nem nada!! E quando eu tentava saber se podia ou não escrever-te… dizia-me sempre para eu ir estudar e que não valia a pena pensar muito em ti porque nesse ano não ias querer saber de mim para nada.

Quando mais uma vez decoraram a árvore de natal lá no pátio da escola, começaram todos a falar em ti. E mais uma vez arrisquei, estava mesmo decidido: era este ano que eu iria escrever-te! Não foi preciso muito tempo para começarem os insultos habituais mas que nestes dias parecem maiores: Ele não gosta de putos como tu, pá! Esquece lá isso!
Mas este ano fui mais forte; mesmo sabendo que afrontar quase uma turma inteira podia dar-me problemas afirmei na voz mais confiante e potente que encontrei dentro de mim:
ESTE ANO VOU ESCREVER MESMO. ELE HÁ-DE LER A MINHA CARTA!

Galhofa geral. Os dedos acusatórios, gozões, a apontarem para o meu nariz. As piadinhas e os palavrões a cair em cascata. E um primeiro pacote de leite e um primeiro caroço de maça a voarem contra mim….
-PÁREM LÁ COM ISSO, DEIXEM O MIUDO EM PAZ!
A voz vinha do topo da árvore de natal. Encavalitado entre a escadaria do pátio e os galhos do pinheiro estava um senhor de certa idade que imediatamente veio colocar-se entre mim e a turma. Falou alto, com voz de trovão, sobre o verdadeiro espírito da época fazendo-os jurar que nunca mais se meteriam comigo…
Depois veio falar comigo. Eu, envergonhado, lá lhe contei o porquê daquelas cenas. E, ainda mais envergonhado, falei-lhe de ti e das cartas que nunca te escrevi. Ele olhou para mim, depois olhou para o céu e respirando profundamente disse:
-Escreve agora a carta; ou melhor, escreve daqui a um mês. Ou até em pleno verão a contar como vai a tua vida. Pior do que não ter ninguém para te ouvir, é ter toda a gente a falar contigo mas só durante uns dias… e depois esquecerem-se de ti o ano inteiro.
E lá voltou para a escadaria para colocar as ultimas luzinhas na árvore…

As coisas agora estão mais calmas. O meu pai já tem trabalho e jantamos todos mais cedo. Vou passar para o 8º ano com boas notas. e assim de repente não tenho mais novidades. Daqui a um mês, quando voltar de Vila Nova, onde vou passar as férias grandes com os meus avós, escrevo-te outra vez, está bem?

Um beijinho para ti do


PS: também tens férias?

3 comentários:

Anónimo disse...

Simplesmente gostei da visita da Fernanda Freitas à minha escola.
Percebi que para além da grande jornalista e apresentadora que é, consegue ser uma grande pessoa, e mostra contando uma história, ou apenas numa conversa, o que luta, conquistou e conquistará.
Admirei o grande à vontade e a forma como lidou com alunos do 9º, que são quase sempre dificeis de motivar, e acho que hoje conseguiu ir contra essa barreira, pelo menos comigo.
Não ocupando mais espaço, irei ficar mais atento ao seu trabalho, e desejo muita sorte para o resto da vida.

Por: ''Questiona sempre tudo''

Ps:Esta foi das poucas histórias de natal(escritas) que já li até ao fim.

Anónimo disse...

Bom, eu sou um dos alunos do 9º ano da escola Fernando Pessoa. Estive presente na conversa com a Fernanda e fiquei empressionadíssimo em ouvi-la falar, em ouvi-la ler... Gostei mesmo muito! Adorei o poema que leu do José Luís Peixoto (na verdade, comprei um exemplar do livro, pois os versos não me saíam da cabeça), espero que volte a visitar a nossa escola.

Deu um novo significado às palavras... e à leitura, espero que continue a espalhar a sua magia pelo mundo.
Muito obrigado!

Pedro Correia 9º3ª

Anónimo disse...

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